Ana Clara Guerra e o Violão que Fala Brasileiro
- Lucas Mendes
- 18 de mar.
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de mai.
Ana Clara entre a viola e a musica clássica, faz dos palcos um retrato afiado do seu dia a dia, trazendo calma ao movimento

Foto: Acervo Pessoal Ana Clara Guerra
Num país onde a pressa virou regra e o algoritmo dita o que toca, Ana Clara Guerra desafia a corrente. Enquanto o mundo corre atrás do próximo viral, ela afina o violão com calma e entrega algo raro: música que respira. Mineira de Uberlândia, Ana Clara está conquistando espaço na música instrumental brasileira com uma linguagem própria, sofisticada sem ser esnobe, acessível sem abrir mão da profundidade.
Seu álbum Novos Ventos não é só um marco na sua carreira. É um sopro de identidade num cenário muitas vezes pasteurizado. É o tipo de obra que convida a parar, escutar e sentir. Sem pressa. Sem distração. Só você, o som e as histórias que ele conta mesmo sem palavras.
Da Primeira Nota ao Conservatório
A relação com o violão começou cedo. “Comecei a tocar bem novinha, adolescente, e desde que comecei não parei mais”, conta, com a naturalidade de quem fala de uma paixão antiga. A música entrou na vida de Ana Clara como quem entra em casa com familiaridade. Depois veio o conservatório, um divisor de águas. “Foi o resto da vida. Eu não pensei em outra coisa depois disso.” Lá, encontrou não só técnica, mas uma clareza: o violão não seria apenas um instrumento, mas um modo de existir no mundo.
Uma Cidade Traduzida em Três Atos
O ponto de virada artístico surgiu quase por acaso ou por urgência. Para participar de um concurso, compôs uma peça solo de última hora: Sons da Cidade Amanhecendo. A música venceu. Mas mais do que isso, abriu caminho para uma trilogia sonora. “Fiz mais dois movimentos... então tem o amanhecendo, a cidade viva, e a cidade adormecendo.” O resultado é uma espécie de mapa afetivo de Uberlândia, que se transforma em paisagem musical. Um convite ao ouvinte para percorrer a cidade pelos ouvidos.
Velhos Mestres, Novos Ventos
Um dos grandes trunfos do álbum é o diálogo com o passado. “Quatro faixas são de violonistas de uma geração anterior à minha... pessoas que eu admiro muito”, revela. E não foram apenas permissões burocráticas: “Eles cederam essas obras gentilmente... algumas foram até compostas para o disco.” Esse gesto de confiança é raro e simbólico. É o aval dos mestres, mas também o reconhecimento de que Ana Clara tem algo novo a dizer dentro de uma tradição antiga.

Foto: Acervo Pessoal Ana Clara Guerra
Reescrevendo o Próprio Roteiro no Meio do Caminho
Durante o processo de gravação, algo incomodava. “O disco estava muito introspectivo. Eu sentia falta de movimento.” Foi assim que nasceu Chuva na Pitangueira, uma faixa mais viva, quase dançante. “Fiz pensando no que eu estava sentindo falta no disco.” Essa escuta de si mesma mostra maturidade: saber que música não é só expressão, mas também equilíbrio entre o leve e o denso, o íntimo e o vibrante.
Ouvinte de Primeira Viagem Também É Público
Ana Clara tem noção dos desafios da música instrumental hoje. “É uma música que demanda uma abertura”, reconhece. Afinal, muitos ainda esperam a voz que nunca chega. “Às vezes a pessoa não entende que não vai ter alguém cantando... é uma questão de explicar.” Mas para ela, isso não é um obstáculo é uma oportunidade. De ampliar repertórios, abrir mentes e tirar o gênero da bolha. Seu conselho? “Ouça como quem escuta a chuva. Sem tentar entender. Só sente.”
De Uberlândia para o Interior das Gerais
A relação com o público também tem camadas. “Tocar aqui é tocar pra amigos, família, professores. É muito especial.” Mas Ana Clara quer e está indo além. A turnê de Novos Ventos inclui cidades históricas mineiras como Tiradentes, São João del-Rei e São José do Rio Preto. Palcos diferentes, mas a mesma proposta: levar a música instrumental para onde ela ainda não chegou ou não chegou assim, com essa cara, esse sotaque.
Formar, Circular, Criar Sempre em Movimento
Além de tocar, Ana Clara também forma. Ex-alunos seguem sua trajetória com carinho, e ela retribui com estímulo: “É um incentivo muito grande ver o caminho deles.” Mas parar? Nem pensar. Já planeja um novo projeto: um álbum em quinteto. “Tem que sempre planejar coisas e ficar movimentando. Não pode parar.” É essa inquietação que alimenta sua arte e impede que ela caia na zona de conforto.
Violão Que Conta Histórias Mesmo em Silêncio
“É difícil explicar quando não tem palavras... quando é música instrumental.” A frase de Ana Clara talvez seja a melhor definição para o que faz. Sua música não precisa ser traduzida porque já fala mesmo quando sussurra. Tem cheiro de terra molhada, barulho de cidade acordando, silêncio de rua à noite. Tem história, tem gesto, tem afeto.
No fim das contas, o que Ana Clara Guerra prova com seu trabalho é simples mas essencial: a música instrumental brasileira não precisa de legenda, nem de firula. Basta ser verdadeira. Como ela. Como seu violão que, cada vez mais, fala a língua de quem quer escutar.
Como Ouvir Música Erudita Sem Sofrer
1. Comece pelo chorinho (“é o cavalo de Troia da música clássica”)
2. Preste atenção nas imagens que a música te traz
3. Se parecer difícil, ouça como quem ouve o barulho da chuva
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